Fiéis do candomblé reforçam tradição na BA e reverenciam Oxalá no Bonfim

Matéria publicada site G1 BA, dia 14 de janeiro de 2016.

Fiéis do candomblé reforçam tradição na BA e reverenciam Oxalá no Bonfim

Lavagem na Basílica reuniu filhos e mães de santo em caminhada de 8 km.
Ao lado de católicos, fé e devoção ultrapassaram intolerância religiosa.

 Danutta Rodrigues do G1 BA

Mãe de santo abençoa fiel na porta da Igreja do Bonfim, após lavagem do adro, em Salvador (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Mãe de santo abençoa fiel na porta da Igreja do Bonfim, após lavagem do adro, em Salvador (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Oito quilômetros percorridos e a emoção de completar mais uma promessa feita ao Nosso Senhor Jesus do Bonfim. Nesta quinta-feira (14), fiéis do candomblé dividiram espaço com católicos para caminhar até a Colina Sagrada, em Salvador, ao som do samba de roda, batuques e fanfarras.

Como em uma festa de largo “andante”, manifestações culturais de diversos cantos do estado. Roda de capoeira, boi bumbá e bandas de sopro somados aos milhares de baianos e turistas que acompanharam o cortejo das baianas até a Igreja do Bonfim.

Roda de capoeira chama atenção de fiéis durante percurso (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Roda de capoeira chama atenção de fiéis durante percurso (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

Por volta das 8h, a caminhada dos católicos deixou a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia e seguiu rumo ao templo. No meio do percurso, Dona Belmira Miranda, 76, esperava ansiosa o momento de acompanhar o desfile das mães e filhas de santo que participaram da lavagem do adro da Igreja do Bonfim.

“Desde criança que faço a caminhada. Sou Ekéde [cargo religioso da religião de matriz africana] do terreiro de Pai Márcio de Oyá. Há dez anos que venho ao cortejo com objetivo de reverenciar oxalá”, diz orgulhosa.

Belmira também afirma que é católica e que nada a impede de seguir as duas religiões. “Sim, vou à missa sempre. Sou católica, do candomblé e sou ‘feita’ [referência a quem é filho de santo na religião afro-brasileira”, diverte-se.

Dona Belmira Miranda, 76, é filha de santo e católica (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Dona Belmira Miranda, 76, é filha de santo e católica (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

Entre olhares reflexivos, Dona Maria Isabel, 60, carregava uma quartinha [espécie de vaso] com flores e a típica água de cheiro para lavar o adro da Igreja do Bonfim como forma de pagar uma promessa.

Esse foi o primeiro ano que a filha de Oxum fez o trajeto da Igreja da Conceição da Praia até o Bonfim. Apesar de ser a primeira vez que fez o trajeto, Maria Isabel declarou que frequenta a festa desde criança.

Maria Isabel, 60, fez a caminhada pela primeira vez este ano (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Maria Isabel, 60, fez a caminhada pela primeira vez este ano (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Assim como ela, Dona Ana Maria dos Santos, de 65 anos, também participa da lavagem do Bonfim há algumas décadas. Há 12 anos, percorre os oito quilômetros com irreverência e muito samba no pé. Ao passar pelas ruas da Cidade Baixa, a filha de santo do Terreiro de Obaluaê chama atenção pela força de vontade.

A caminhada que faz há mais de uma década no dia da lavagem do Bonfim é para cumprir a promessa por ter parado de fumar. Ela ainda revelou o que leva a água de cheiro que as baianas carregam. “Coloca alfazema, arruda, macaça [folhas] e pronto”, ensina.

Ana Maria dos Santos, de 65 anos, há 12 anos participa da festa (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Ana Maria dos Santos, de 65 anos, há 12 anos participa da festa (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

A mistura de sons que envolveu as milhares de pessoas que participaram do cortejo se destacou durante o percurso das ruas antigas da Cidade Baixa. Entre os grupos de samba de roda, o de Irará, cidade a 140 quilômetros de Salvador. Os mais de 30 integrantes se concentraram desde as 7h da manhã na porta da Igreja da Conceição e, acompanharam a caminhada até a Colina Sagrada, tradição mantida há mais de 30 anos.

Grupo de Samba de Roda de Irará participa há mais de 30 anos da lavagem do Bonfim (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Grupo de Samba de Roda de Irará participa há mais de 30 anos da lavagem do Bonfim (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

Seguindo o cortejo das baianas, ao chegar até à Colina Sagrada, fiéis do Candomblé e da Igreja Católica disputaram espaço na porta da Igreja do Bonfim. O objetivo foi chegar até a grade e amarrar a fitinha do Bonfim para fazer os pedidos e agradecer. Além do ritual típico de ambas as religiões, mães de santo e pais de santo abençoavam aqueles que reverenciavam Oxalá, que no sincretismo religioso é o Senhor do Bonfim.

Aos 66 anos, Maria da Penha faz a caminhada de oito quilômetros há oito anos. Natural de Recife, a filha de Oxum com Oxalá pediu paz para a família e distribuiu água de cheiro entre os fiéis que se aglomeraram na porta da igreja em busca de proteção. “Muita paz para meus filhos e todos vocês. O Candomblé é uma religião para Deus. É uma emoção muito grande para mim estar aqui e reverenciar meus orixás”, agradece.

Maria da Penha, de 66 anos, natural de Recife, participa da festa há oito anos (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Maria da Penha, de 66 anos, natural de Recife, participa da festa há oito anos (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

Após a prece final feita pelo padre Edson Menezes, reitor da Igreja do Bonfim, seguido de uma alvorada de fogos e do hino do Senhor do Bonfim na porta do templo católico, por volta das 12h15, foram entregues vassouras para que as baianas pudessem fazer a lavagem do adro da igreja.

O ponto alto da festa religiosa emocionou fiéis, que foram abençoados pelas devotas de Oxalá vestidas de baianas com muita água de cheiro. Como defendeu uma das filhas de santo que acompanhou a festa, Maria Isabel, se todo muçulmano vai a Meca uma vez ao ano, uma vez na vida o baiano tem que ir até a Colina Sagrada.

Turista se emociona com bênção de baiana na porta da igreja (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Turista se emociona com bênção de baiana na porta da igreja (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Água de cheiro é distribuída por baianas na porta da igreja do Bonfim (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Água de cheiro é distribuída por baianas na porta da igreja do Bonfim (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Bandas de sopro animaram o circuito de oito quilômetros até o Bonfim (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Bandas de sopro animaram o circuito de oito quilômetros até o Bonfim (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Rua que dá acesso à colina sagrada é tomada por fiéis vestidos de branco (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Rua que dá acesso à colina sagrada é tomada por fiéis vestidos de branco (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Orquestra Reginaldo de Xangô participa há mais de 45 anos do cortejo (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Orquestra Reginaldo de Xangô participa há mais de 45 anos do cortejo (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Grupo folclórico de Lustosa também participou do cortejo até a colina sagrada (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Grupo folclórico de Lustosa também participou do cortejo até a colina sagrada (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Baiana desfila pelas ruas da Cidade Baixa para pedir proteção a Oxalá (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
Baiana desfila pelas ruas da Cidade Baixa para pedir proteção a Oxalá (Foto: Danutta Rodrigues/G1)

 

Fonte: http://g1.globo.com/bahia/verao/2016/noticia/2016/01/fieis-do-candomble-reforcam-tradicao-na-ba-e-reverenciam-oxala-no-bonfim.html