Exposição “Orixás” apresenta a cultura afro-brasileira na Casa França-Brasil

Matéria publicada no site Cultura.RJ no dia 19 de setembro de 2016

Exposição “Orixás” apresenta a cultura afro-brasileira na Casa França-Brasil

Mostra fica em cartaz entre 24/09 e 23/10

 

Tabuleiro, de Dalton Paula, é uma das obras que integram a exposição "Orixás", na Casa França-Brasil (Foto: Dalton Paula)
Tabuleiro, de Dalton Paula, é uma das obras que integram a exposição “Orixás”, na Casa França-Brasil (Foto: Dalton Paula)

 

Em setembro de 1990, a Casa França-Brasil, recém-inaugurada como centro cultural, realizou a exposição “Retratos da Bahia” com fotografias de Pierre Verger, desenhos de Carybé e esculturas de arte africana das coleções particulares dos dois artistas. Ao investigar o modo como a afro-brasilidade se manifesta na arte e na religião, “Orixás” pretende ser um exercício de revisão histórica daquela exposição, promovendo releituras entre a produção moderna e a contemporânea. Com curadoria de Marcelo Campos, a mostra fica em cartaz no espaço de 24/09 a 23/10.

 

O tema da afro-brasilidade é explorado a partir de diversas perspectivas no contexto artístico brasileiro. Aspectos da ancestralidade e da religiosidade africanas muitas vezes aparecem aliados a questões como identidade, representação e condições socioculturais. O fascínio moderno pela cultura afrodescendente produziu debates importantes sobre patrimonialização e reconhecimento das religiões não ocidentais, embora a relação com sua cultura material estivesse frequentemente ancorada em premissas colonizadoras.

 

No Brasil, a influência do candomblé na produção artística produziu obras como os romances Jubiabá e Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado, o longa Barravento, de Glauber Rocha, o Teatro Experimental do Negro, encabeçado por Abdias Nascimento, o álbum Afro-sambas, de Baden Powell e Vinícius de Morais e as obras de Pierre Verger, Carybé, Rubem Valentim e Mestre Didi, apenas como exemplos. Mestre Didi, concomitantemente artista e sacerdote, tornou indefiníveis as fronteiras entre arte contemporânea e arte popular. Paralelamente a isso, o candomblé seguia enfrentando sua condição de ilegalidade, sofrendo perseguição política e social, inclusive por parte do Estado por meio de seus aparelhos repressores e do uso da violência.

 

O século XXI trouxe novas abordagens. Embora a religião continue sendo alvo de ataques e intolerâncias, os terreiros e as casas religiosas de matriz africana vivem um processo de luta pela legalização, reconhecidos como detentores de cultura, identidade e fé. Artistas contemporâneos como Ayrson Heráclito, Arjan Martins, Tiago Sant’Ana, Dalton Paula e outros seguem reconfigurando heranças afro-brasileiras, assumindo hibridismos e contaminações. Com ampliadas recodificações, hoje, a afro-brasilidade nos faz ultrapassar a fronteira popular/erudito ao observarmos obras como as de Heitor dos Prazeres, Maria Auxiliadora, Louco e Chico Tabibuia.

 

Nessa rede, “Orixás” vai além do contexto baiano, aproximando trabalhos de temporalidades distintas, pretendendo provocar novas leituras sobre aspectos da cultura afro-brasileira. Candomblé, sincretismo e arte popular são abordados a partir do universo dos orixás, com peças de instituições e coleções particulares de Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro.

 

“Orixás” marca, para a Casa França-Brasil, a possibilidade de adensar-se em um debate, no qual a ancestralidade sobrevivente de tantas diásporas, resultantes da escravidão (a violência, a desigualdade), possa ser transformada em clamor, cânticos e palavras de fé, proteção e bons presságios. Os brasileiros são renomeados, ganham amuletos, mantêm intensa relação com a África, reconhecem pais ancestrais, adornam-se, ficam odara e trazem a beleza não como uma condição colonialista a ser alcançada em modelos inacessíveis, mas como uma dádiva a ser partilhada, um “axé”. O candomblé configura na arte e na sociedade brasileiras um dos mais importantes momentos de reconfiguração simbólica, em que formas, cores e elementos são lançados, jogados, festejados, experimentados. E a força desse “emi”, do ar emitido pelo corpo, nos faz tecer elos que atravessam oceanos para reafirmar uma simples e, talvez, primeira condição humana: saber que não estamos sós.

 

Colaboração de Pollyana Quintella