Mãe de Santo Austríaca populariza Umbanda e Candomblé na Suíça
Os terreiros do Terra Sagrada estão presentes em Graz, Viena, Berlim, Berna, Zurique e St. Gallen. Iya Habiba coordena os seis espaços, onde lidera giras, orienta rituais, forma outros líderes e participa de curas espirituais, além de outras atividades ligadas ao candomblé e à umbanda. Os números de participantes surpreendem: o Terra Sagrada conta 77 médiuns e um público de 800 praticantes; na Suíça são 37 médiuns e um público de 500 pessoas. O terreiro une a prática da tradição do mundo dos Orixás, do Candomblé, da Umbanda, da Santeria e a tradição de curas naturais provenientes das culturas Iorubá e Banto, além da psicoterapia, sociologia das religiões e filosofia.
swissinfo.ch: Por ser austríaca, criada na Europa, como você se tornou Mãe de santo de Candomblé?
Iya Habiba: Eu nunca procurei essa religião, porque nem sabia que existia. Como psicoterapeuta focada na cura por meio do corpo e da natureza, encontrei a umbanda e o candomblé. Eu sempre foquei meu trabalho em caminhos alternativos, em perspectivas filosóficas não racionalistas. Dessa maneira, fui parar em um congresso de Tradições Indígenas, em 1992, no Marrocos. Lá eu tive um encontro mágico e inspirador com um Pai de Santo brasileiro, o Pai Buby, que proferiu uma palestra sobre a religião.
Posteriormente participei de um workshop, onde a mensagem pode ser aprofundada. Nesse momento eu senti o chamado. Nesse mesmo dia, Pai Buby escreveu seu contato em um pedacinho de papel, com um convite para eu ir até Bulle, aqui na Suíça. Esse Pai de santo já supervisionava um grupo em Genebra, o primeiro terreiro do país. Fui então convidada para me iniciar na religião. Comecei a me inteirar e a estudar. Ele veio a ser, então, o meu mestre.
Minha iniciação demorou 12 anos. Durante esse período, eu fui ao Brasil várias vezes, cheguei a fazer até três viagens por ano. As idas a São Paulo, mais precisamente perto de Embu das Artes, onde fica o Terreiro, incluíam receber ensinamentos sobre os rituais, costumes e o fortalecimento da tradição espiritual. Aprendi como se dá a incorporação de entidades espirituais, como acender uma vela, por exemplo.
swissinfo.ch: Por que trouxe a religião para a Suíça?
I.H.: Porque os Orixás quiseram assim. Quando comecei, eu vivia ainda na Áustria. Por motivos pessoais, me casei com um suíço, me mudei para o país. Aqui tivemos a oportunidade de adquirir uma casa perfeita para as práticas religiosas. Em Appenzellerland, no vilarejo de Stein, conseguimos esse espaço, onde, em 2006, fundamos o primeiro terreiro no país. O terreno é isolado, conta com um rio com nascente, um amplo espaço verde, onde podemos trabalhar bem à vontade. A natureza propicia ainda uma melhor conexão com o divino. Ali montamos altares sagrados para fazermos os rituais.
É um ambiente perfeito para as danças ritmadas e a incorporação de forças espirituais e transe de cura, possibilitando a prática do tempo não linear de um terreiro e a libertação das amarras do relógio suíço. Em outros terreiros dentro de cidades, temos que respeitar a lei do silencio e parar os batuques às 22 horas. As giras em Appenzellerland chegam a reunir 40 pessoas tocando tambor.
swissinfo.ch: E qual a relação entre a psicoterapia e a umbanda e o candomblé?
I.H.: A religião segue uma tradição oral, na qual o aprendizado é passado pelo corpo, pela experiência prática. A crença é a de que cada um tenha a sua terra sagrada, que é a conexão do corpo com a natureza e o planeta. A própria decisão de adquirir a casa teve a ver com essa premissa. O tempo espiritual não é o mesmo que o cronológico. E é exatamente essa tentativa desenfreada de adaptar a vida ao esforço linear exagerado uma das causas de tantas doenças. Muitas mazelas têm origem na inflexibilidade, na prisão das ideias. A natureza quase não pode respirar na nossa vida moderna. A tradição da umbanda abre espaço para um mundo paralelo. Nessa outra dimensão, medita-se com o corpo.
A nossa sociedade, no entanto, vem sendo treinada há mais de três mil anos a ignorar os sinais do corpo. A nossa forma de viver, a nossa relação com o tempo, com a velocidade e com o alto nível de informação, nos desconecta da nossa essência e não dá espaço à felicidade. A pressão da subsistência, de pagar, de possuir cada vez mais, promove a separação entre o natural e cria um campo superficial.
swissinfo.ch: Quem são os frequentadores e qual a relação entre a religião e os aspectos migratórios?
I.H.: Temos brasileiros, portugueses, suíços e outros europeus. Há frequentadores regulares, que vão sempre; e outros mais esporádicos, que aparecem somente duas ou três vezes por ano. Berlim é agora a nossa mais nova gira. É uma cidade com um enorme potencial e muitas necessidades.
A relação entre a prática religiosa e a condição de migrante é enorme. Eu digo isso com base nas questões abordadas durante as consultas espirituais. Os migrantes trazem toda sua problemática para as sessões. Encontrar trabalho é geralmente um tema muito recorrente. Mas em geral as pessoas vêm por assuntos dos mais variados possíveis, que vão desde doenças, problemas de relacionamento, à violência doméstica.
Fonte: https://www.brasil247.com