Flip: ‘mesa de botequim’ tem declaração de amor e ódio por Rio, futebol, carnaval e religião
Publicado por Cauê Muraro, G1 no dia 27 de julho de 2017
Com ‘cachacinha na sacristia’, encontro debateu subúrbios e obra de Lima Barreto. Autor classificou o esporte como ‘racista’ e ‘elitista’, termo que usou para desfiles.
Teve cachaça na sacristia (“só um golinho, para quebrar o gelo”, assegurou um dos participantes) e pretensão de ser “mesa de botequim” (palavras da outra) o debate chamado “Subúrbio” que aconteceu no início desta sexta-feira (28) na 15ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
O encontro juntou o historiador e cronista carioca Luiz Antonio Simas, espécie de especialista em subúrbios (no plural) do Rio, e a Beatriz Resende, especialista em Lima Barreto.
Na conversa, citaram o ódio do homenageado da Flip 2017 ao futebol, que ele achava racista e elitista, e ao carnaval, que ele achava só elitista mesmo. Mas ficou explicado que, na época de Lima Barreto, a relutância tinha razão de ser, sim.
Beatriz Resende garantiu: “Lima tinha horror a religião, tinha horror a padre”. Era questão política, segunda ela, uma vez que o autor de “Triste fim de Policarpo Quaresma” era anarquista e acusava a prática de “desviar a atenção do povo dos seus problemas, desviar os interessas das coisas prazerosas”.
Simas, bem-humorado, completou: “Beatriz acabou de dizer que Lima tinha horror a padre, e a gente acabou de tomar uma cachacinha na sacristia…”. Risos gerais, dentre outros motivos, porque a programação principal da Flip acontece dentro da Igreja Matriz, ou seja…
Guerra contra a ‘macumba carioca’
O historiador também foi convocado a falar sobre a religião nos subúrbios atualmente. A avaliação dele não é boa no que diz respeito às práticas de origem africana.
“Hoje você percebe que há uma verdadeira devastação dessas rerligiosidades poulares no subúrbio. E é uma devastação que atinge muito mais a umbanda do que o candomblé. As macumbas cariocas, a perseguição ali é terrível”.
Diferente da época de Lima Barreto, que falava “do subúrbio como um espaço de uma religisosidade tolerante, e hoje não é isso que a gente observa”. “Hoje é uma devastação a partir de uma certa linha de evangelização. Não todas, longe de mim, mas algumas denomiaçãoes abriram gerra aberta contra a macumba carioca.”
Arrancou muitos risos ao contar de uma vez em que um pai de santo foi ao programa do “Chacrinha”. De acordo com ele, “baixou pombagira” nas chacretes, mas não só: Scila Médici, que era mulher de Emílio Garrastazu Médici, teria também ficado possuída (vendo TV…).
Rio, eu te amo (mas você está péssimo)
Como previsto, o Rio esteve na pauta (a cidade em que o Cristo está de frente para a Baía de Guanabara e de costas para o subúrbio, observou Simas).
No fim da conversa, o cronista fez críticas à cidade, que está vivendo “um momento dramático”: “Esse Rio que é uma cidade muito mais complexa do que aquela que o Cristo ‘observa’. A gente fala de uma cidade em que há um extermínio da juventudo negra, que é sistemático, uma cidade que está discutindo se o funk é crime ou não é…”.
Beatriz Resende ponderou: “A gente não pode entrar nessa história de que o Rio tem de apanhar. Muito facilmente, a gente entra nessa imagem do Rio violento, neste momento roubado, violentado, a tentativa de extermínio do próprio sentido de carioca. Mas o Rio também tem uma tolerância que é difícil achar em outra cidade”.
Por tolerância, referiu-se à “questão de gênero, raça”. “As coisas estão péssimas, não poderia estar pior, mas não abro mão.”